O VEREDITO
Fui almoçar noutro dia com uns quanto colegas de trabalho, e, não me lembro bem porquê, a conversa derivou para a religião de cada um. Entre agnósticos e "católicos não-praticantes", a mesa estava composta de forma que possivelmente reproduz o panorama nacional. E estava eu...
Um deles perguntou "qual era a minha religião".Respondi que não tenho religião, que sou cristão, e mais precisamente que sou espírita.
"Não praticas, portanto" - foi o entendimento do meu amigo. É uma pessoa encantadora, de carácter nobre, muito inteligente e muito qualificada em termos académicos e profissionais. Mas verifiquei que não valia a pena esforçar-me, pois o "veredicto" estava pronunciado: eu sou uma pessoa que fala com os Espíritos (porque sou espírita) e sou católico não-praticante (porque sou cristão mas não tenho religião).
Este homem é advogado. Podia ser juiz. A sua opinião podia ser mesmo um veredicto. Mas não lhe cabe na cabeça a concepção de que sou cristão sem praticar uma religião. Muito menos a de que um espírita é um adepto de uma filosofia e não alguém que se entretém a conversar com os Espíritos.
Porquê esta superficialidade, esta falta de paciência de gente inteligente para assimilar conceitos que crianças em tenra idade entendem perfeitamente?
Em termos filosóficos, dois sistemas se defrontam - o materialismo e o espiritualismo. E para muito boa gente, as coisas põem-se assim:
O materialismo é associado à inteligência, ao esclarecimento, à cultura. Apresenta-se a Ciência como sua aliada imbatível.
O espiritualismo é associado à superstição, ao obscurantismo, à ignorância. É visto como um resquício de primitivismo, uma espécie de defeito genético que ainda persiste em alguns exemplares da espécie humana. Apresentam-se as religiões como únicas partidárias do espiritualismo.
É compreensível que assim seja. Dizia Jesus de Nazaré aos seus discípulos, que ninguém podia chegar ao Pai senão através dele. Ou seja: que Deus está ainda muito fora do alcance do nosso entendimento, e que por isso nos é mais fácil procurá-lo no testemunho dos seus enviados. Jesus foi enviado por Deus. Jesus é um ser que partilha da nossa natureza, não é um "favorito" de Deus, pois Deus, sendo infinitamente perfeito, não preterir uns filhos em detrimento de outros. Mas Jesus ainda é visto não como um enviado de Deus, mas como o Deus mesmo. E as religiões que se ergueram inspiradas por Jesus, são vistas ainda como as "legítimas" representantes de Deus, em regime de rigorosa exclusividade. Logo, para o vulgo, os erros das religiões, são erros de Deus. E por isso, quando se fala de Deus aos agnósticos ou aos ateus, é raro que não apareçam como objecções à ideia de Deus, os erros grosseiros cometidos, ontem e hoje, pelas religiões.
Quando o assunto é Deus, o interlocutor é a religião de maior expressão. No mundo Ocidental, Deus será o Cristianismo, nas expressões do Catolicismo ou do Protestantismo. No mundo Árabe será o Islamismo, Sunita, Xiita, ou Kharijita. No Oriente será o Budismo, tibetano, japonês ou do sudeste asiático. Em Israel será o Judaísmo. Na Índia o Hinduísmo, nas suas diferentes expressões. Etc....
O "espírito forte", consoante a cultura em que esteja inserido, enquadra os espiritualistas na religião que lhe parece ser a "representante de Deus na Terra", e arruma tudo o que geográfica ou culturalmente lhe fica mais longe, na categoria do exotismo.
O "espírito forte", consoante a cultura em que esteja inserido, enquadra os espiritualistas na religião que lhe parece ser a "representante de Deus na Terra", e arruma tudo o que geográfica ou culturalmente lhe fica mais longe, na categoria do exotismo.
O homem de espírito (o que julga tudo saber), desdenha de analisar os ensinamentos de um modesto Nazareno. Já o pobre em espírito (o humilde), esse com mais facilidade admite que tem alguma coisa a aprender. Por isso Jesus elegeu os simples para companheiros e colaboradores.
Jesus de Nazaré "que não sabia nada de finanças, nem consta que tivesse biblioteca", segundo a doce ironia do poeta, não é um interlocutor válido para o "espírito forte", que não lhe descortina qualquer valor. Tão pouco o são Moisés, Zoroastro, Buda, Confúcio, Mohamed, e tantos outros que pelo mundo trouxeram a mensagem do Bem, da imortalidade, e de Deus, ainda que sob matizes diferentes, adaptados a cada circunstância.
O mundo vive ainda em pleno materialismo. As religiões, com os seus erros e abusos, ferem ainda muitas sensibilidades impreparadas para separar o trigo do joio. Jesus de Nazaré permanece um ilustre desconhecido, que ainda põe muitos na defensiva, aferrados a preconceitos que lhes impede abeirarem-se da doutrina simples mas profunda que mudou a face do mundo, e que ainda pode mudar muito mais. Porque não é criação de um homem, nem de um Deus parcial e cheio dos defeitos que os homens lhe têm atribuído... e que são afinal os defeitos humanos!
A mensagem de Jesus é da lei divina, universal e eterna. Vem de Deus. Pescadores simples da Galileia, então Império Romano, tornaram-se companheiros da mais extraordinária criatura que pisou o nosso planeta. Não tinham veredictos fáceis na ponta da língua. Não eram "espíritos fortes".
fonte - Blog de Espiritismo