UM CASAL, UMA UNIÃO CONTROVERTIDA E UM SISTEMA PENITENCIÁRIO INEFICAZ
Lemos interessante reportagem sobre o
entrelace improvável de um casal que atualmente sobrevive em uma parada de
ônibus na via DF-140, em Brasília. A nossa reação inicial àquela união foi de
certa inquietação, em face de “Maria” [nome fictício], de 45 anos, ter largado
os seis filhos para viver com o ex-presidiário “João” [também fictício], de 50,
que diz ter passado 26 anos na cadeia por ter cometidos vários homicídios.(1)
Os dois decidiram “residir” num ponto de
ônibus, próximo ao Complexo Penitenciário da Papuda. “João” foi posto em
liberdade no final de 2013, e optou morar na rua para “não incomodar” familiares
e amigos. “Maria” e “João” improvisaram uma barraca de campanha e sobrevivem com
a ajuda de doações de quem passa pela região. “Maria”, que conheceu o “João” há
cinco anos, em uma confraternização ocorrida durante o célebre “saidão”, afirma
ter certeza da decisão tomada. Na época, ela já estava separada e trabalhava
como faxineira em um bar.
Evidentemente o personagem “Maria” não está
cometendo crime algum ao ficar enamorada por um ex-presidiário. Ela encontra
razões para ficar inconformada em face das críticas recebidas por tão atrevida
decisão (talvez não necessariamente pela escolha de morar na rua com “um
ex-detento”, porém pela renúncia aos filhos). Cremos que o razoável seria que a
união com “João” ocorresse sem necessidade do abandono da família.(2)
Subestimando aqui a decisão de “Maria”,
destacaremos o tema em torno das declarações do ex-detento. Na
reportagem, “João” assegura que obteve bom aproveitamento durante o período de
encarceramento. Diz que estudou e participou de oficinas de pintura,
serralheria, jardinagem e panificação. Adotou a religião cristã à maneira dos
crentes. Hoje tem ungido esforços pessoais a fim de conseguir um emprego (e
sabemos o quanto é difícil essa empreita para um ex-detento). Demonstra não
permanecer estático (inobstante que morando numa parada de ônibus) pois tem
feito alguns biscates para sobreviver, catando material reciclado ou vendendo
“balinhas, docinhos e água mineral” dentro do ônibus.(3)
Como dissemos, a nossa reflexão explorará
as ponderações de “João” a respeito do sistema carcerário brasileiro. Segundo
afirma ele na reportagem, os presos na penitenciária morrem nas celas quais
animais abandonados. A refeição é de qualidade duvidosa, o detento é humilhado e
quase sempre é deixado ao relento quando está sob o impacto de qualquer
enfermidade. “João” não acredita na possibilidade de recuperação de um criminoso
que vive sob permanente tortura moral na cadeia. Infelizmente noticia-se, não
raras vezes, pela mídia em geral, a tortura física e psicológica nos presídios e
penitenciárias como uma das barbaridades cometidas em nome do Estado e da
lei.
As penitenciárias de hoje lembram bastante as
masmorras medievais. É de se perguntar onde está o processo avançado das
conquistas tecnológicas e sociais. Notamos que os cárceres atualmente não servem
para educar; pelo contrário, neutralizam a formação e o desenvolvimento de
valores intrínsecos, estigmatizando o ser humano. A rigor, as prisões vêm
funcionando como máquinas de reprodução da criminalidade.
O mais grave problema do sistema penitenciário
brasileiro é a completa escassez de vagas, que obriga milhares de
presos – muitos já condenados, até mesmo no regime semiaberto – a conviver em
condições reconhecidamente aviltantes, em xadrezes de delegacias policiais, com
muita frequência, revezando-se para dormir. Nesse contexto, devemos considerar
que o espírita-cristão deve se armar de sabedoria e de amor para atender à luta
que vem sendo desencadeada nos cenários da sociedade, concitando à concórdia e
ao perdão, em qualquer conjuntura anárquica e perturbadora da vida
moderna.
O homem atual ainda não percebeu que somente a
experiência do Evangelho pode estabelecer as bases da concórdia, da fraternidade
e constituir os antídotos eficazes para minimizar a violência que ainda avassala
a Terra. Sobre os criminosos, os Benfeitores Espirituais dizem que devemos
amá-los na condição de criaturas de Deus que são, às quais o perdão e a
misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a nós, pelas
faltas que cometemos contraSua lei. Não nos cabe dizer de um criminoso: é um
miserável; deve-se expurgar da terra; não é assim que nos compete falar. Que
diria Jesus se visse junto de si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia;
considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão.(4)
Recordemos Jesus e Suas considerações sobre a
prática de um sublime código de caridade ante as questões da vida dos
encarcerados: “Senhor, quando foi que te vimos preso e não te assistimos?”. Ao
que Ele respondera: “Em verdade vos digo – todas as vezes que faltastes com a
assistência a um destes mais pequenos, deixastes de tê-la para comigo
mesmo.(5) Nas
prisões, a reeducação deverá ser feita por meio da implantação de frentes de
trabalho para profissionalização, e não apenas para tirar apenados da
ociosidade, mas também abrindo segura perspectiva de integração futura na
sociedade.
Durante diversos anos participávamos de
trabalhos sociais através de projetos visando arecuperação dos presos, por
intermédio de uma efetiva programação de visitas permanentes à penitenciária de
Brasília. Naquela época (década de 1970 e 1980) fazíamos palestras nas salas de
aula da PAPUDA abordando temas sobre a valorização humana, divulgávamos a
Doutrina dos Espíritos, mantínhamos uma biblioteca de livros espiritas,
cantávamos músicas doutrinárias, instituíamos grupos de voluntários para
apadrinharem presos, mantínhamos contato com parentes deles e distribuíamos
cestas básicas para familiares dos recuperandos.
Em nossa tela mental estão vivas as
recordações daqueles magnos tempos, sabendo que esses foram alguns dos modestos
métodos levados a efeito pelo nosso grupo espírita de visita, cujo objetivo era
a materialização do aumento do índice de recuperação dos internos da PAPUDA por
meio das lições de Jesus com o robusto apoio das revelações
espíritas.
Jorge Hessen
Notas e referências
bibliográficas:
1 Disponível
em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/07/faxineira-larga-filhos-para-morar-com-ex-preso-em-ponto-de-onibus-no-df.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1 acesso 10/09/2014
2 Os filhos atualmente têm entre
16 e 22 anos e moravam com ela.
3 Disponível
em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/07/faxineira-larga-filhos-para-morar-com-ex-preso-em-ponto-de-onibus-no-df.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1 acesso 10/09/2014
4 Kardec, Allan. O Evangelho
Segundo o Espiritismo. Caridade ara com os criminosos, instruções de Elisabeth
de France (Havre, 1862), Rio de Janeiro: Ed FEB, 2000, Cap. 11
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