O PAPEL DA CONSCIÊNCIA NA MEDITAÇÃO
Existem várias palavras importantes, tais como deus, cujo significado tornou-se tão amplo pelo uso vago, que elas tendem a perder todo o significado. Meditação é uma palavra que pode denotar experiência profunda bem como práticas estranhas.
Para aprender a meditar, deve-se em primeiro lugar considerar o que significa meditação e não começar com o meditar. Não podem ser adotados os meios sem dar relevância ao fim. É necessário saber primeiro se você quer subir uma montanha ou cruzar o mar, antes que encontre os meios para fazê-lo. Se você deseja cruzar o mar, seria insensato equipar-se com uma picareta e uma corda. Assim, é necessário primeiro tentar entender o que a meditação implica e somente então é possível saber como empreendê-la.
No curso da evolução, as formas são desenvolvidas e aperfeiçoadas; a consciência, incorporada às formas vivas, expande-se e , portanto, manifesta os poderes inerentes a ela própria. Na antiga tradição da sabedoria, é dito que não há forma que não incorpore vida ou consciência. O que aparece como “matéria” não está destituída de consciência; mas a consciência está tão oculta, tão latente, que não a percebemos. Nas formas rudimentares de vida, a consciência funciona de uma maneira também rudimentar. Neste estágio, a vida incorporada está apenas vagamente consciente. Nas formas de vida mais desenvolvidas, por exemplo no reino vegetal, há mais consciência. Têm sido provadas nos últimos anos que as plantas respondem aos sentimentos em torno delas, fato descoberto décadas atrás por um cientista indiano, Sir Jagadish Chandra Bose. Entretanto, as plantas não têm aquele grau de consciência que é encontrado nos animais inteligentes: o elefante, o cachorro, o macaco são todos criaturas nas quais a consciência está muito mais desenvolvida. Quando chegamos aos seres humanos, os poderes da consciência revelam-se numa medida ainda maior.
Este movimento da evolução, que é o desenvolvimento do organismo, implica em que o organismo se torne mais e mais capaz de ser um canal para a força da vida. Também implica na expansão da consciência que está incorporada no organismo. Isto é retratado pelo símbolo que foi amplamente usado na Índia, no Egito e alhures – o lótus. O lotús tem seu nascimento em terreno grosso, lamacento. Ele eleva-se na opacidade da água misturada com lama, depois ainda mais além, na água clara, até que alcança o ar puro do céu. Ele simboliza como a consciência se expande desde as formas inferiores, que não lhe permitem revelar muito seus poderes, até as formas superiores, que permitem a canalização de seus poderes em medida cada vez maior. À medida que o lótus se eleva no ar, é primeiro um botão fechado sobre si mesmo. Então floresce como uma bela flor, considerada por alguns de beleza incomparável. Ele recebe a luz do sol, abre-se para a imensa extensão do céu e espalha seu perfume no ar.
A consciência humana, como existe no indivíduo comum, pode ser comparada ao botão de lótus. Ela tem de florescer e revelar a beleza e a fragrância que são inerentes ao seu interior. Aprender a despertar a consciência, para que sua presente potencialidade oculta floresça para um estado de absoluta plenitude e meditação.
A palavra cônscio significa estar apercebido. Não há consciência destituída do poder de estar cônscia, de estar apercebida. Nós todos somos indivíduos cônscios. Entretanto, se observássemos a nós mesmos, saberíamos que nosso poder de ser cônscios é muito limitado. A consciência funciona de muitas maneiras diferentes: através dos sentidos, através do observar, do ver, do escutar, do sentir, etc. A consciência está cônscia através da modalidade do sentir quando há simpatia; quando pensamos em alguma coisa, isto também é uma maneira de estar cônscio. Assim, existem vários modos de estar cônscio.
Agora vamos tentar descobrir como alguém está cônscio. Pensemos numa pessoa que olha para uma bela cadeia de montanhas. Ela pode estar cônscia apenas de uma grande massa de matéria na frente dela, se é uma pessoa insensível. Isto equivale a dizer que sua consciência não está muito cônscia. Portanto, ela não percebe nada mais do que a massa física diante dela. Existem muitos seres humanos assim. A maioria das pessoas torna-se assim, se vêem uma montanha durante muito tempo. Quando continuamos a ver uma coisa, nos tornamos insensíveis a ela; cessamos de estar cônscios da maravilhosa cadeia de montanhas e nos tornamos absorvido em pequenas preocupações insignificantes. Ou somos às vezes cônscios da massa material apenas ou outras vezes sensíveis a alguma coisa mais, à majestade, à estabilidade, à beleza da cadeia de montanhas. Quando a consciência está apercebida não apenas da aparência física mas dos atributos intangíveis pertencentes à montanha, então ela está mais apercebida, mais cônscia do que estava anteriormente.
Pensemos num outro exemplo – uma flor. Uma pessoa que é comercialmente inclinada, pensa na flor meramente como um objeto que dá dinheiro. Alguém que responda um pouco mais, nota várias coisas - a maneira pela qual ela é formada, o desenho das pétalas, a textura, a delicadeza da coloração e assim por diante. Mas, embora nota mais, ele pode ainda falhar de estar cônscio daquilo que pode ser chamado a “essência” da flor – sua natureza intrínseca, a verdade oculta dentro dela.
Os filósofos têm salientado que a beleza é descoberta ao ir-se abaixo da superfície das coisas. Keats escreveu: “Beleza é verdade – verdade-beleza – isso é tudo”. A beleza é ver a verdade oculta no interior, que tem pouco a ver com as qualidades ou características externas. A forma externa pode ser bela para uma pessoa e não parecer assim para outra. Quer a forma pareça bela ou não, aquele que ama vê a verdade dentro, como faz uma mãe que percebe a natureza preciosa de uma criança que outros consideram feia. A verdade ou realidade oculta existe em toda a parte, não somente numa criança particular, numa pessoa ou coisa. Alguns a vêem num lugar, outros em outro. A consciência que desfrutamos é apenas mais ou menos sensível, freqüentemente vendo apenas a forma externa, outras vezes vendo a forma bem como suas qualidades, ocasionalmente vendo ainda mais, no coração das coisas. Quando penetra no coração, ela pode assim fazer mais ou menos profundamente. Ver profundamente é ver o significado, o sentido, o valor. Despertar não meramente para o valor das particularidades, mas despertar para o valor e o significado de toda a vida é alcançar um estado de sabedoria.
Para aquele que atingiu este estado de profundo apercebimento e sabedoria, a vida torna-se totalmente diferente. Ver e agir corretamente, afetuosamente, harmoniosamente, é sabedoria. Se uma pessoa vê somente a forma externa de uma flor e para ela esta é somente o valor monetário, pode esmagá-la e jogá-la fora no momento em que ela cessa de ser de valor pessoal. Mas aquele que vê a beleza, o significado, a verdade da flor, não pode danificá-la. Ele a trata com amor, cuidado, delicadeza. Isto é verdade com referência à vida como um todo. Uma pessoa que percebeu o significado da vida não pode atuar de uma maneira destrutiva. Ela age espontaneamente de uma maneira criativa, amável, que é sabedoria em ação. Assim, quando há um completo despertar da consciência, quando há total apercebimento, manifesta-se como uma vida santa e um relacionamento afetuoso.
Aprender a alcançar esta sabedoria é meditação. Meditação é o despertar do poder de apercebimento, de consciência, para que assim ela veja não somente o externo, mas também o interno; não somente o que é material, mas também o invisível; não meramente o grosseiro, mas o sutil.
O que auxilia alguém na meditação é o que auxilia a consciência a tornar-se mais profundamente cônscia, a tornar-se muito mais sensível do que ela é; assim, suas respostas não são limitadas às coisas externas, materiais, grosseiras. Ela vibra com as coisas sutis, internas, espirituais. Quando isto é entendido, está claro o que é a base da meditação. Obviamente isto implica numa maneira de viver. A consciência não pode ser sensível quando existem fatores na mente que são destruidores desta sensibilidade, condições que obscurecem a percepção. Quando certas paixões, certos tipos de pensamentos existem, o apercebimento é destruído. É impossível ver corretamente. Uma pessoa que é ciumenta não pode ver por causa do ciúme, que atua como uma tela ou nuvem. Otelo, de Shakespeare, via tudo através da coloração de seu ciúme. Ações inocentes pareciam-lhe culposas. Tudo o que sua esposa dizia ou fazia a ele parecia conter um mal, pois não estava vendo os fatos como são; ele estava iludido por seu ciúme. Quer exista ciúme, amor ao poder, cólera, inveja ou outras tais paixões, a consciência perde sua capacidade de ser verdadeiramente cônscia. Ela pensa que vê, mas vê falsamente. Portanto, deve-se aprender a viver de maneira correta e trabalhar para purificar, através da observação e do entendimento, todas aquelas tendências que distorcem a mente. Tudo o que tem sabor de egoísmo é destruidor do poder da consciência. Portanto, na antiga tradição da ioga, eles ensinaram que a base da meditação é um modo ético de vida. Violência, agressão (que eles chamavam himsa), gula, ganância, trapaça, etc., atuam como uma barreira à percepção. Assim, se tem de estar constantemente vigilante aos impulsos e motivos conscientes e subconscientes, se está realmente interessado em expandir os poderes da consciência e preparar-se para a meditação num sentido mais profundo.
Sem estabelecer um alicerce, nenhuma estrutura pode ser construída. No mundo de hoje, as pessoas buscam atalhos para tudo e querem “atingimento instantâneo”. Existem os ditos “gurus” que dizem que você pode viver qualquer tipo de vida que queira, uma vida de indulgência, auto-interesse, buscando poder, prazer, etc. – e também obter a iluminação, sob sua égide. Mas o raciocínio mostraria que isso não é possível. Iluminação significa ser capaz de ver e não se pode ver mesmo coisas ordinárias, mundanas, corretamente, como era o caso de Otelo, se a mente não está na condição correta e se não faz o esforço para viver uma vida reta.
Descobrir o que torna a pessoa mais cônscia é a próxima tarefa. Quando nós observamos, vemos escutamos, é a consciência que está vendo, escutando. Mas nós vemos muitos pouco na vida. Quando olhamos para uma flor, não apenas não vemos a sua “interioridade”, mas também deixamos de ver o que está acontecendo dentro de nós. Não notamos sequer se nós notamos. Não observamos nossas próprias reações clara e cuidadosamente. Desenvolver o poder de apercebimento significa aprender a observar não somente o que está fora mas também o que está acontecendo a si mesmo, cuidadosamente, sensivelmente, dando a si próprio o tempo, o silêncio, a quietude que é necessária.
Muito poucos seres humanos gostam de fazer isto. Se alguma coisa acontece interiormente, digamos um movimento de raiva, então imediatamente existe o desejo de encobrir o fato ou escapar dele. Encobre-se ele dizendo que não aconteceu. “Não foi devido à minha falta; foi a outra pessoa que me fez fazê-lo”. Assim, existe a recusa de olhar para a raiva que surgiu. Os sintomas de egoísmo, raiva, amor ou poder, etc., podem ser muito sutis. Há o desejo de importância em cada pessoa. Este desejo é algumas vezes muito óbvio naqueles que se pavoneiam, que divulgam a si próprios. Mas ele também pode estar não articulado, mas habilmente escondido. Quando, sentindo-se ofendido, o senso de importância é ofendido, o que poucos compreendem. À medida que aprende a observar, a pessoa torna-se progressivamente cônscia não somente das sutilezas exteriores, como as cores reluzindo nas folhas, a luz caindo sobre a água e assim por diante, mas do que está acontecendo dentro de si mesma em relação a tudo o mais. Ela se torna cônscia de todos os movimentos da mente e das emoções. E a cuidadosa observação intensifica a sensibilidade da consciência, sendo que desse modo ela se torna cada vez mais capaz de esta cônscia.
A maioria das pessoas escuta muito pouco. Enquanto outra pessoa está falando, o “ouvinte” já está pensando no que ele quer dizer. A mente prossegue com sua própria tagarelice a maior parte do tempo. Mas deve-se aprender a escutar, como uma base para a meditação. Quanto mais profundamente se escuta, mais a consciência se torna cônscia. Tem-se de escutar a sons e também ao silêncio, ao que não é dito. Um homem irado pode dizer palavras ásperas. A pessoa que realmente escuta aprende que o que o outro está realmente dizendo é que ele é solitário, infeliz, frustrado. Aquele que não escuta cuidadosamente ouve apenas a palavra áspera, não o que o homem está realmente mostrando, que é a sua dor. Assim, a pessoa tem de escutar não somente ao que é falado, mas ao que não é dito; ao silêncio bem como ao som.
Então, por cuidadosa observação e escuta, o poder da consciência expande-se. Ela começa a florescer, o que significa que se torna mais aberta ao que a vida está dizendo. É sensível em sua apreensão do que existe, e é necessário sensibilidade para descobrir aquilo que faz no mais profundo, que é o significado, a verdade oculta.
O significado, como dissemos, está em tudo na vida – em cada átomo de matéria, na folha de releva bem como no ser humano, naqueles a quem consideramos feios, bem como naqueles que parecem encantadores e adoráveis. É a falha em nossos olhos que os torna cegos para o que existe. Nos Upanichades, que são os mais antigos tratados filosóficos e religiosos da Índia, um sábio ensina que o verdadeiro Eu (atman), a Realidade, está em toda parte. Você ama sua esposa porque pensa que ela é sua, mas a esposa é amável não porque é sua esposa mas porque é aquela realidade oculta, o atman. O esposo não é querido porque é o esposo, mas porque é o atman. Assim, também o amigo, a criança, as relações, o dito inimigo, cada um tem um valor intrínseco. A pessoa que tem o poder de ver – o sábio – sabe que a verdade, a beleza, a bondade estão em todas as coisas. Nós todos temos de aprender a ver o real em todas as coisas e isto somente pode acontecer se aumentarmos nosso poder de visão.
Isto não pode vir de fora. Nenhum guru pode dá-lo, embora alguns pretendam que possam. A pessoa apenas pode ver aquilo que sua consciência é capaz de ver. Portanto, a menos que empreenda o difícil trabalho de viver uma vida diária, na qual o poder de observação, de visão, de sensibilidade, de resposta, de abertura, está aumentando, ela não pode ver a verdade, a realidade, deus, brahman, ou como quer que se queira chamá-la.
Na passagem do Upanichade referido, é dito que se você quer ver o real, o verdadeiro, a significação última, absoluta da vida, então aprenda a observar, a escutar, a ponderar e então medite. Assim, a pessoa tem de começar a ponderar. A vida da maioria das pessoas é gasta em trivialidades. Se elas observassem a si próprias, descobririam quantas horas do dia e da noite – pois os sonhos, na maior parte, repetem, de uma maneira incoerente, os pensamentos do dia – quantas horas são gastas em futilidades: o que fazer; o que o vizinho disse, fazendo compras; quem brigou bom quem; a última intriga, etc. Cada um vive num pequeno círculo minúsculo de interesses e torna-se um cativo dentro deste círculo, identificado com esses interesses, quer sejam eles de sua família, de sua comunidade religiosa, de sua nação ou de alguma outra coisa. Ele não é mais do que um prisioneiro do círculo de seus próprios pensamentos e apegos. E tem de se liberar da pequena prisão de sua criação e aprender a ponderar sobre questões que são de significação mais profunda, de relevância mais universal.
O Sr. J. Krishnamurti, que atualmente tem algumas das coisas mais significativas a ensinar sobre meditação, diz: “ Vagueie pela praia e deixe qualidade meditativa ver até você. Se ela não vier, não a persiga. O que você perseguir será a memória do que foi – e o que foi é a morte do que é. Ou quando você vaguear pelas montanhas, deixe que todas as coisas lhe contem da beleza e da dor da vida, para que assim desperte para sua própria dor e para o fim dela”.
Há muito de importância universal sobre o que a pessoa tem de ponderar. A questão da dor e da alegria é de importância universal. Elas não são o que parecem ser na superfície. Há a busca de prazer, mas este prazer finda rapidamente. A morte toma alguém a quem alguém estava apegado, a afeição não é retribuída, a doença aflige os que são queridos. Inumeráveis são as maneiras elas quais o prazer termina em pesar e dor. Qual é o significado disso tudo? O que é o “eu” que continuamente busca prazer e tenta evitar a dor? Este eu existe por uma vida apenas? Existem muitas questões fundamentais que demandam uma resposta – uma resposta que seja real, não um eco vazio de palavras faladas por alguém mais. O que as escrituras dizem, o que Jesus Cristo ou Shankaracharya disseram são apenas palavras, até que pela séria ponderação, assimilação, se começa a descobrir por si mesmo o que cada questão realmente significa. Portanto, reflexão, capacidade de ponderar sobre verdades que são de significação universal, questionamento e investigação de problemas que se aplicam a todos os seres humanos, tudo é parte da prática meditativa. E ao fazer assim, a consciência abre-se e amplia o seu espaço. Ela quebra e ultrapassa as barreiras que criou para si mesma.
Assim, à medida que a base é estabelecida, o que auxilia a mente a despertar, a tornar-se mais reflexiva, observadora, sensível, escutando, observando, pensando, adquire a qualidade da profundidade. Somente a profundidade na própria consciência da pessoa é capaz de perceber a profundidade de toda a vida. A mente que vive em superficialidades pode ver somente coisas superficiais. Ao aprofundarmos a percepção, chegamos à profunda interioridade das coisas, aos níveis ocultos, sutis da vida. E existe uma profundidade infinita na vida; seu significado não tem limites. A descoberta dele é meditação; sua culminância é sabedoria.
No ensinamento budista, diz-se que a senda é tríplice. Ela começa com a reta conduta, chamada shila, o que significa que todos os fatores obscurecedores, as paixões animais, os pensamentos egoístas que impedem a visão, devem chegar a um fim. Em segundo lugar, a senda implica em auxiliar a consciência a despertar através da observação, do escutar sensível e da profunda reflexão. Então a sabedoria começa a despontar. O caminho dá acesso a uma vasta esfera da qual não temos consciência agora. Então começa a revelar-se o supremo significado que abrange toda a vida.