SULA SILVEIRA1 segundo atrás
Realmente, André Trigueiro comove, emociona, a mim pelo menos e sempre.
Você tem razão, André, o suicídio precisa ser abordado de forma a ajudar o outro a não cometê-lo, e não a
incentivá-lo, mesmo que sem nenhuma pretensão.
Digo isso, porque quando jóvem, participei de uma peça teatral na Faculdade, " FREI LUIS DE SOUZA,
de Almeida Garrett..
É uma peça da época da Escola Romântica, a qual estávamos estudando no primeiro ano.
Apesar de ser uma peça que foi levada ao público, nossa professora de Literatura Portuguesa,conforme
combinado em classe, seria a última nota de final de ano. Eu estava muito bem, já tinha até fechado, não
precisa de nem 0,01. mas meu grupo ( eu era a líder do grupo de literatura) estava bem mal. Essa professora,
cujo nome, nunca me esqueci " Zeila " , era muito exigente, mas eu e ela nos dávamos bem, porque sempre
eu apresentava lá na frente o estudo e interpretação de determinada obra clássica, e ela me elogiava... meu Deus rsrsr
como me elogiava, e pedia-me que quando terminasse a faculdade que eu me especializasse em CRÍTICA
LITERÁRIA, lembro-me até hoje.
Bem, quando ela perguntou em classe o que gostaríamos de apresentar como última nota (porque haviam
vários tópicos) eu levantei a mão e disse a TEATRO. Meu grupo quase me matou. Mas eu sabia o que
estava fazendo.
Esta peça de Garrett, é bastante trágica. Fiz o papel de Maria, filha de D. Sebastião que tinha ido para a
guerra há muitos anos e nunca mais voltara ... claro, foi dado como morto.
Vou passar para outro assunto, depois retorno ao teatro, porque caso contrário, ninguém vai entender.
Em nossa classe mista, com mais de 80 anos, havia uma japonesinha com seus 17 anos, muito tímida,
que sentava-se na última carteira, não falava com ninguém, mas era excelente aluna.
Como tínhamos um colega, o Ângelo, que estava com péssimas notas de Latim, resolveu para o bem dele,
pedir a japonesinha em namoro, e ela, apesar de muito tímida, aceitou. Houve uma transformação no
comportamento dela, que se tornou mais alegre, com ares de felicidade. Eu me lembro que fiquei feliz por
vê-la feliz, não gostava do seu jeito tão retraído. Ele a pediu em namoro, porque sabia que ela concordaria
em fazer todas as provas de Latim para ele até o final do ano, e assim ela o fez .
Bem estávamos quase no final do ano letivo, faltando apenas as notas de Literatura.
Agora, pasmem, quando não mais precisou da namorada, Angelo termina com a japonesa, que passa
a ter comportamentos dolorosos, chorava muito. Para ela o término era o fim do mundo, sofria muito.
Voltando ao teatro, Maria, (eu) descobre que o pai não havia morrido e estava voltando e sua mãe
pensando-se viúva, casa-se de novo. Para aquela época, principalmente onde a religião tinha
uma conotação acima de qualquer princípio, era sem dúvida uma tragédia incomparável.Não posso
esquecer de dizer que a japonesinha estava na plateia assistindo a peça.
Minha última cena, foi numa igreja, uma cruz com cristo, fixada a parede,coloquei um jarro com flores naturais
sobre uma mesinha, um padre presente ( que era um colega do grupo)
Nesta última cena, Maria ( eu) desespera-se, chora muito pela tragédia que se abateu sobre sua
família com o retorno do pai. A MÃE TER SE CASADO COM OUTRO, ESTANDO O PAI VIVO,
ERA PECADO MORTAL, UMA BLASFÊMIA.
Maria revolta-se contra Deus, olhando para a cruz, ela grita usando sempre o pronome vós, ou seja tudo
era drama demais (Morrer na época romântica era considerado lindo, por isso tantos poetas românticos
morreram cedo.
E nesta dolorosa fala contra Deus, Maria, sente-se mal, tem um ataque e cai MORTA.
Depois que a peça terminou a Japonesinha foi ao altar da peça, pegou as flores que eu tinha colocado
no jarro e disse ao padre (este era realmente um padre-aluno de nossa classe) que sempre a acompanhava
de Taubaté até PIndamonhangaba, onde ela morava:
- Padre pegue essas flores e leve ao meu ENTERRO amanhã. O padre ficou desesperado, sabia do
problema dela, inclusive ele nos contou que enquanto eu fazia a peça ela chorava o tempo todo.
Durante a viagem para Pinda, o padre fez tudo para demovê-la de tal pensamento, mas ela continuou
repetindo que ele levasse as flores e não as pegou de volta.
Essa menina de apenas 17 anos era filha única de um casal de japoneses.
No dia seguinte, circulava por toda faculdade que uma mocinha de 17 anos
tinha se suicidado. Procurei desesperadamente saber de quem se tratava, e
nunca mais tive paz, porque para mim aquela peça, onde eu (Maria) morrera, fora
uma espécie de sugestão de como ela poderia aplacar seu sofrimento, ou seja, MORRENDO,
e neste seria através do SUICÍDIO.
Sem dúvida, André Trigueiro, você tem toda razão. É necessário abordar o suicídio de forma
inteligente. Evitar de falar é absurdo, mas é preciso SABER COMO CONDUZIR UMA PALESTRA, CUJO
SUICÍDIO SEJA O CERNE DA MESMA, PRINCIPALMENTE EM SE TRATANDO DE ADOLESCENTES.
Só para finalizar, depois de quase 15 anos, morando em São Paulo, já com um filho, minha irmã
sabendo que eu sofria pelo problema ocorrido com o suicídio, porque eu me culpava, indiretamente.
trouxe um gravador K7 com vita virgem, solicitou a presença da japonesinha no ambiente, pediu para
eu contar como tudo realmente tinha acontecido naquele dia, mas eu não sabia que ela estava gravando,
Ela escondeu o gravador. E eu fui narrando, Depois que terminei, minha irmã contou-me o que tinha feito,
iria voltar a fita para ver se ela tinha deixado alguma mensagem.... Pasmem... ela deixou na gravação
o nome do Angelo... a palavra AMEI... quando falo será que eu tive alguma culpa na morte dela ? Ela diz ...
NÃO, VOCÊ NÃO !!! E NO FINAL ELE PRONUNCIA MEU NOME ....SUELY e assim termina a gravação.
Desculpem por ter escrito tanto, Mas o que o André falou sobre o suicídio que não deve ser um TABU,
mas DEVE SER ABORDADO COM INTELIGÊNCIA, ME FEZ DEIXAR ESSE DEPOIMENTO.
Grata pela atençâo.
Meu codinome: Sula Silveira
Meu nome real Suely dos Anjos